Uma pergunta inevitável que um dia acaba acontecendo na vida de um escritor de sucesso, de um professor de literatura, de um crítico literário e na carreira de um editor de livros: Qual o segredo para escrever um bom livro?
Antes de pontuar dicas "pertinentes" obrigo-me a registrar o que me parece essencial e fundamental na vida de um autor: criatividade, talento e persistência. Sem sinergia e fusão destes três elementos não vejo qualquer possibilidade de sucesso e êxito.
Lygia Fagundes Telles quando nos fala sobre a arte de escrever inspira: “Rasgar, rasgar e rasgar. Eu rasguei muito.” Hoje, com o advento da ferramenta computador poderíamos dizer que o exercício de “Deletar, deletar e deletar...” explica com ciência e razão, aquilo que a dama da literatura brasileira nos ensina como segredo.
Vamos às dicas:
Ser um leitor. Um bom leitor. Um leitor voraz e criterioso. Se o objetivo é um romance concentre-se no gênero. Literatura brasileira e estrangeira, de autores conhecidos ou não. Faça buscas em sebos e bibliotecas, e você encontrará escritores que o aguardam. O livro chama! No exercício desta leitura observe com atenção o primeiro parágrafo, como cada escritor começa a sua aventura, o trejeito com que ele trabalha os primeiros diálogos, pontua um fato relevante, sustenta sua verdade e traça o fio condutor de sua história.
A entrada em cena de cada personagem – principal ou coadjuvante – precisa receber do autor sua carga inicial de energia. Quando o autor não o faz corretamente corre o risco de perder de cara o leitor. O encantamento tem que ser de imediato. Quando o personagem mostra a sua alma o leitor o adota com amor, ódio e respeito. Ele puxa e pede, de direito, o seu espaço na história. É comum em uma boa trama um personagem secundário ganhar fôlego e espaço, além do tempo planejado no roteiro inicial.
Ter uma boa história é fundamental. Concisa, objetiva, clara e única. Conversando um dia com Fernando Sabino - gravávamos um programa na TV Bandeirante - ele me disse: "Scortecci uma boa história é aquela que pode ser contada". Precisa ter começo, meio e fim. Simplicidade e harmonia no fio condutor evitando a todo custo ansiedade de concluir antes da hora. O inverso – exagero de se estender além da conta – também não é recomendado. Saber parar na hora certa é uma arte. Poucos conseguem “criar” o número exato de palavras. O ponto final deve ser "cometido" com sabedoria cirúrgica. Não existe um sino que toca ou um alarme que pisca.
Fazer um roteiro. Inicialmente simples e pontual. Em tópicos. Deixe os detalhes para depois quando um segundo roteiro – mais complexo – se fizer necessário. A escolha do número de personagens (não exagere) e seus respectivos nomes é tarefa delicada e que precisa ser feita com critérios. Alguns nomes têm mais força do que outros e ocupam na história “heranças” que podem influenciar no enredo. Evite nomes de modismo e fora de época. Faça uma pesquisa. Hoje a Internet é uma ferramenta poderosa de consulta e pode salvá-lo de muitas armadilhas.
Por falar em Internet, não nego a minha paixão por ela, mas recomendo cautela e desconfiança com tudo que ela diz e tenta nos ensinar. Todas as informações precisam ser checadas, pesquisadas e conferidas várias vezes. Datas, lugares e costumes são "sinais" que devem ser observados na hora de uma leitura crítica. O estrangeirismo é um perigo e costuma fazer estragos mortais.
Concluído o roteiro, monte o que chamamos de Rede de intrigas: amor, ódio, morte, casamento, assassinato, inveja, infidelidade, poder, ganância, ambição, gula, raiva, medo são ingredientes apetitosos que devem ser considerados na elaboração desta rede. Prender a atenção do leitor e mantê-lo ligado na sua história é missão - quase - impossível e o desafio maior. O leitor às vezes se torna preguiçoso e sua atenção voa para longe...Um leitor perdido não volta inteiro. Quando isso acontece não há nada mais o que fazer.
Evite chavões e plágio. Você até pode “babar” de leve uma passagem ou uma frase de efeito. A tentação acontece, e mente quem diz que não. Alguns parágrafos são perfeitos e a inveja literária costuma tirar o sono de muitos. Alguns títulos são eternos e maravilhosos. Valem o livro. Quem não gostaria de escrever: Cem Anos de Solidão; A Insustentável Leveza do Ser, Vidas Secas, Capitães da Areia, A Menina que Roubava Livros, Ciranda de Pedras etc.
Faça a opção por capítulos. Escolher ou não um título para o capítulo não é tão importante. O que pesa positivamente é a pausa. Trabalhar por capítulos é uma mão-na-roda. Havendo um desequilíbrio no texto – isso é comum acontecer – o leitor acaba não percebendo a falha. É no final de cada capítulo que o leitor toma a decisão de avançar - dando-lhe mais crédito - ou de desistir fatalmente.
Uma vez, jurado de um concurso literário no Paraná, fui surpreendido com uma interessante nota de rodapé que dizia: “Vai melhorar”. A máxima se repetia a cada página virada e lida. Incrível foi o rumo que dei à minha curiosidade ao extremo. O livro não era bom. O “infeliz” foi capaz de me imobilizar com uma boa chave de braço tirada de sua caixinha de intrigas. Será que vai mesmo melhorar? Li o livro de cabo a rabo.
O que faltou naquela obra? Faltou bagagem, conteúdo e experiência. Mesmo com criatividade, talento e domínio das palavras o romance não seduzia, não dava liga, não pegava! Um livro precisa abduzir leitores.
Depois de pronto é importante saber que o livro não está pronto. Ler e reler exaustivamente ajuda a criar – muita - repulsa pela obra. Isso é bom. Conheço autores que chegam ao ponto de quase suicídio. É hora então de procurar ajuda profissional. Independentemente de uma autopublicação ou edição comercial, através de uma editora tradicional, uma obra precisa de revisões e leitura crítica. Tudo isso antes de seguir o seu caminho natural de diagramação, edição, impressão, veiculação e comercialização.
A leitura da obra por um leitor crítico (o mercado possui uma boa carteira deles) costuma apontar aquilo que passou despercebido pelo autor. É espantoso descobrir erros do óbvio. “Nossa! Não posso acreditar que isso passou por mim...” É comum escutar depoimentos desse tipo, mesmo de escritores de renome, com dezenas de livros publicados.
O Professor Ézio Grassi Peluso dizia sempre: "Nós escritores precisamos aprender a conviver com o erro".
Escolhendo um título. Um parto para muitos. Para os que não encontram de saída um título “incrível”, costuma bater desespero. O medo de um editor desavisado batizá-lo com um título “ridículo e pobre”, tira o sono de muitos. Recomendo escolher - quando possível - também um subtítulo para a obra. Não existe um título perfeito e sim o melhor título possível (mercadologicamente falando) entre dois ou três previamente escolhidos.
Uma vez fiz uma consulta nos arquivos da Fundação Biblioteca Nacional sobre a escolha preferida para títulos de livros de autores brasileiros. Na época o campeão era “Pedaços de Mim” e em segundo lugar “Lembranças”. Que falta de imaginação. Eram livros de poesia, mesmo assim escolhas pífias.
Última dica. Terrível, mas oportuna: desistir não é nenhum pecado mortal. Muitos o fazem por infinitas razões, motivos e desculpas. Basta faltar na "receita" um dos três elementos essenciais (criatividade, talento e persistência) que a gororoba desanda.
Alguns falam em falta de tempo, motivação e vergonha. Existe isso? Creio que não.
Gosto da ideia de que o melhor livro ainda não foi escrito. Isso por si justifica o sonho de muitos do desejo maior de escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore.
João Scorteccijrspscortecci@scortecci.com.br
http://www.amigosdolivro.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=6585
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