Chego à academia pouco depois das
cinco horas da manhã. A lua timidamente se escondia atras da nuvens. Havia poucas pessoas pelas ruas. Quase se podia ouvir o sussurro da respiração.
No começo éramos seis nobres desbravadores,
que se arriscavam a levantar cedo e se exercitar.
No verão dava gosto de ver - todos
animados, falantes, entusiasmados em trocar informações sobre aparelhos, dietas
e séries de exercícios. Então, o temido inverno chegou. E com ele alguns pecados
capitais; preguiça, gula, ira e orgulho.
Dos seis, o primeiro a abandonador
o barco foi seu José Carlos, o mais velho da turma. Em seguida, Milton,Chico, Dálton e por último o Décio, que preferiu economizar, fazendo academia no condomínio onde morava [ autoengano]. Então estava só.
Certo dia, um senhor que
costumeiramente me encontrava voltando da academia, puxou conversa... Tinha
passado por um problema cardíaco e como recomendação médica precisava se exercitar.
Na semana seguinte ele começou.
Encontrávamos-nos três vezes por
semana, ele, um senhor de 70 anos, maduro, já avô de três lindas meninas, pastor
de uma igreja pentecostal.
Não sou muito de falar,
principalmente quando se têm pouco fôlego numa esteira ergométrica, mas suas
histórias eram cativantes. Tinha pregado em aldeia indígena, penitenciaria,
cidades alagadas, igrejas completamente lotadas e outras que em sua maioria eram só almas. Seus causos eram excitantes. Uma vez, disse ele, numa sessão de descarrego, o tal do espírito não arredava o pé da pessoa de jeito maneira.E da-lhe reza para cima do demônio. Suas narrativas eram sempre cheias de muito humor e ironia.Sem aquele pedantismo dos mais mais jovens.
Certa sexta-feira, atarefado que
estava com assuntos do meu escritório, recebo uma ligação da minha contadora.
Precisava que eu assinasse alguns documentos com urgência. Marcamos para o fim
daquela tarde.
Chegando ao escritório da
contadora, notei que a porta estava trancada. Toquei o interfone umas três
vezes e nada. Foi quando ela surgiu na porta do comércio ao
lado.Entrei surpreso, no que parecia ser uma casa de artigos religiosos.
Ela tinha recém alugado o ponto, do que no passado fora uma casa de Umbanda e Candomblé. No começo fiquei assustado,
pois as prateleiras se mostravam vastas em artigos religiosos; Atabaques,
bebidas, charutos, madeira, incensos e velas que pertenciam ao antigo
inquilino, que havia prometido retirar tudo no fim de semana.
Enquanto eu usava um dos atabaques
para assinar os documentos, ela me mostrava o projeto arquitetônico com a disposição dos moveis e
as tintas recém compradas para pintura do salão.Tinha comprado mesas e cadeiras novas, quadros e baldes de tintas. Estava empolgada,tinha fechado contrato com uma multinacional recém chegada à cidade.
Quando me preparava para deixar a
loja, observo do outro lado da calçada, o pastor caminhando tranquilamente com
sua esposa. Gritei com todas minhas forças, e notei que não me deu atenção. Talvez
não tenha me visto, pensei.
Na segunda-feira, ele não apareceu
na academia. Também não apareceu no restante da semana, nem naquele mês. Liguei inúmeras
vezes para sua casa, mas sua esposa tinha sempre a mesma resposta: “O pastor estava trabalhando numa alma
perdida.”
Passaram-se meses até que voltássemos
a nos encontrar caminhando pela cidade. No cumprimentamos cordialmente, e antes
mesmo que eu abrisse a boca, ele quis saber se eu ainda frequentava aquela
casa de Umbanda, no centro. Respondi com um não, surpreso.
Ele sorriu discretamente, como se esperasse uma confirmação divina.
- Você ainda vai à academia? – perguntou ele.
- Segundas, quartas e
sextas - respondi.
- Ótimo !Talvez eu apareça - E se perdeu
em meio à multidão que ziguezagueava pela calçada.
Fim
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