Dias de pesca ( Filha Distante no Brasil ) é um filme de iminente reparação,
uma fuga de um ciclo dos dias repetentes e previsíveis – o mesmo trabalho de 20
anos - atrás da emenda que dá sentido a perdas profundas e conseqüentes
correções. Marcos (Alejandro Awada) é um senhor de 52 anos que vai à Patagônia
em busca de “sua filha, aprender a pescar e um pouquinho de turismo”. Da
tesoura que fissura o elo familiar não temos conhecimento; apenas sabemos que o
pai fez algo de errado com a mãe. Da pesca, a princípio, nem mesmo Marcos sabe
o porquê; sabe que tinha que arranjar um hobby qualquer por questões médicas.
Do turismo, fica implícita a abertura com o que aquele espaço possa oferecê-lo
– e, nesse sentido, a Patagônia é hospitaleira.
Assim, Marcos incorpora a figura do estrangeiro, mas não
como a projetada por Camus, que, pela abstração de sentido no mundo,
torná-lo-ia indiferente. Para Marcos, o
sentido está “lá” (esse “lá” de David Grossman - inominável e inalcançável, mas
esperançoso quanto à tangibilidade), a partir da estrada, a partir do outro.
São os afetos que se esbarram e se esvaem. É o pai da lutadora de boxe, é seu
“instrutor” de pesca, são os próprios eternos-viajantes (não poderia ser mais literal
na representação da geração) que ele encontra entre grandes pedras do mar.
Mas... ali, existe uma certa ironia na cena, de uma crença quase mística nessa
afecção comovida por um espaço e que nunca se instaura por completo. É tão
efêmero que nem se sabe se é de lá da Bolívia ou se fica no Peru.
É aí também que se revela o abismo
entre gerações, a impossibilidade de Marcos entrar nessa roda. Porque nessa
roda só fuma quem tem um horizonte à frente e o infindo atrás. Há de se largar
quaisquer amarras. Marcos tem uma filha, tem um telos,e por isso mesmo vai tratar de
sua reparação. Ela a princípio o abriga, o acolhe, o abraça em seu mundo
externo à Patagônia (seriam espaços irreconciliáveis?) mas, do nada, vislumbra
a possibilidade de sofrer como a mãe e o manda às favas.
Passada a tentativa de “turismo”,
recusado pela filha, resta a pesca. E o enjôo do mar mais uma vez pede a
persistência de ação, uma vontade duradoura que sublime. Com a chance de
investigar o amor, obter a prova de um mínimo de afeto pela permanência no
hospital, recebe a notícia que queria da filha e percebe a recompensa de lutar.
Esse resumo final, que define em palavras um pouco do caminho de Marcos, mostra
o potencial brega do roteiro que não é incorporado ao filme. Dias de pesca filma todos os planos com muita
brandura, em alguns momentos tira um riso de canto de boca que ressoa na sessão,
mas no geral o tom é em uníssono por essa chave menor. Uma nota que foge da
pretensa lei musical da melancolia, buscando essas candura cônscia de si.
Afinal, o que vemos nada mais é do que um senhor com toda sua bagagem de vida,
deixando-a de lado para alcançar uma possível reconciliação com seu entorno, do
pouco velho a se retomar ao novo mar à frente. Mas, desse tubarão a se pescar,
dever-se-ia saber que é preciso mão firme ao molinete. Dias de Pesca é um filme doce, que de tão suave, se
torna brando, se esvai o sabor. E cação sem sal raramente vale a pesca.
Outro excelente filme de Sorin é - O cachorro.
Dados do site - revista cinética.
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