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Crônicas do Cotidiano - Eu, meu amigo Tony e a faixa de pedestres.



Estávamos no ápice do verão europeu. O suor corria pelo rosto, ensopando a camiseta. Dentro do terminal de Victoria, tomei o ônibus que saia de Londres até Varsóvia. Viajem de aproximadamente sete horas. Era minha primeira vez na Polônia. Por isso, não sabia o que esperar.  Ao meu lado na poltrona, ia um polaco de quase dois metros de altura.

Ele se apresentou como Tony, num inglês carregadíssimo. Estava voltando para casa dos pais, após dois anos insignificantes na Inglaterra. Perguntei no que trabalhava. “Encanador”, disse ele. “Assim como uma centena de outros encanadores poloneses”, enfatizou. Lembrei-me de alguns amigos Albaneses que saiam no braço para ter uma vaga de emprego. Aposto que os poloneses não agiam muito diferente.

 Passado um terço da viagem, o ônibus fez sua primeira parada. Era quase meio dia, e eu estava morrendo de fome. Aprendi com viagens mais longas, a sempre levar comigo alguma fruta, sanduíche e suco, caso sentisse fome. Quando fui dar a primeira mordida no sanduíche, o polonês olhou para mim com cara de alma que está pedindo reza. Não tive dúvida. Reparti meu lanche em dois. Com isso, acabei ganhando um amigo.

Era por volta das quatro horas da tarde, quando chegamos a Varsóvia. Estava realmente quente aquela tarde. Eu só pensava em encontrar um bom hostel, tomar uma ducha e descansar um pouco. Antes de nos despedirmos, ele me pediu para esperar; seu pai estava a caminho e talvez rolasse uma carona. Bingo! Não só ganhei uma carona, como me levaram para um colégio religioso, onde eu poderia me hospedar. Quem já viajou pela Europa sabe o quão difícil é arranjar um albergue durante o verão. São caros e abarrotados de turistas.

O colégio estava praticamente vazio. Os alunos estavam de férias. Tirando dois chineses e um padre que também se hospedava por lá, os quartos e os corredores ficavam praticamente vazios, boa parte do dia. Normalmente, procuro chegar ao país com algum dinheiro local, ou pelo menos tento trocá-lo de imediato numa casa de cambio. Mas, não foi o que aconteceu. Estava esgotado. Resolvi tomar um banho, desfazer a mochila e descansar um pouco enquanto a tarde morria.

Acordei assustado, com o vento se insinuando na minha janela. Era quase nove da noite. Tinha dormido mais do que o esperado. Precisava sair para trocar dinheiro e comer alguma coisa.  Um senhor que estava na portaria, me contou que tinha uma casa de cambio do outro lado da avenida. Mas que eu me apressasse, pois fechava dentro de alguns minutos.

Voltei para o quarto, peguei 100 libras que estavam sobre a cômoda e corri para a casa de cambio.

“No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho”. Não tinha uma pedra, como disse Drummond, mas um bonde junto do semáforo. Não tive dúvidas, atravessei pouco antes de o bonde chegar e fora da faixa de pedestres. E esse foi o meu maior erro.  

Já nas proximidades da casa de cambio, o vento quente trouxe o grito de uma sirene. A rua estava deserta, não me preocupei.Continuei a caminhar. Foi quando a viatura avançou em minha direção, parando quase em cima da calçada.  Sim, a bronca era comigo. Mas por qual motivo?

Como aprendemos desde pequeno assistindo aos filmes americanos, coloquei as mãos na parede. Em caso de dúvida, siga o manual. Foi então que iniciamos um breve diálogo. Os guardas em polonês e eu português-inglês. Chegamos a um consenso quando eles disseram repetidamente a palavra passaport. Claro, meu passaporte! Isso, se eu tivesse me lembrado de pegar. Na pressa, não lembrei. Estávamos diante de um impasse diplomático.

Tentei argumentar em inglês, dizendo que havia esquecido o passaporte no colégio, mas que poderia  buscá-lo. Não adiantou. Acho que não entenderam, ou eu não me fiz entender. Não me algemaram, mas me fizeram entrar na viatura. “ Pronto! To fodido”, pensei. Preso, e nem sei por quê. Quem sabe andar sem passaporte já seria um bom motivo para averiguação, não?

Depois de quase dez minutos dentro do carro, esperando por uma resposta que nunca chegava[ acho que não sabiam para onde me levar ], lembrei que durante a viagem, eu anotei o telefone do Tony. Estava num pedaço de papel, em algum dos bolsos da calça. Por sorte, usava o mesmo jeans. Entreguei o papel a um dos policias e por meio de mímicas, pedi para que eles ligassem para o número.

Não precisei ir até a chefatura de policia. Descobri que além de não portar passaporte, tinha cometido outras duas infrações. Atravessei a rua sob sinal vermelho e fora da faixa de pedestres. Os guardas foram gentis, e me deixaram voltar para o albergue. No entanto, não escapei da multa.

No dia seguinte, reencontrei meu amigo polonês, sua namorada e uma amiga. Convidei os para jantar. Era o mínimo que eu podia fazer, depois de tudo.

Nunca mais deixei de andar na faixa de pedestres ou desrespeitei a sinalização. Não fora do Brasil!   


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