Pular para o conteúdo principal

Ditadura militar no Brasil, Interpretação da música : O bêbado e a equilibrista.



(via redesfigurar blog)
João Bosco (melodia) e Aldir Blanc (letra), gravam em 1979 esta música, interpretada por Elis Regina. Seu lançamento ocorre em um momento de intensa repressão ideológica e consequente perseguição política. Esse período que inicia em 1964 e vai até fins da década de 1980 é conhecido como Ditadura Militar. Nessa época, era preciso usar-se uma grande transferência de sentidos, ou seja, linguagens metafóricas. Essas linguagens conferem a determinados objetos de pensamento atributos pertencentes a outro. Pensando nisso, os artistas faziam, assim, músicas repletas de linguagens figuradas, cujas informações subliminares precisam ser conhecidas por aqueles que as recebem, para compreender o real manifesto da música, como no caso a ser analisado.


Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...



Na primeira estrofe da canção, há referências ao otimismo que o Brasil vivia até a da primeira metade da década de 1960. Aldir Blanc pode ter recorrido a uma figura poética calcada em velhos temas, como o filme Luzes da Ribalta com Carlitos, uma das personagens mais conhecidas de Charlie Chaplin. Um andarilho de chapéu-coco, bigode e um paletó muito apertado que, apesar de pobre, agia como um cavalheiro. Fica clara a contradição entre “bêbado” e “luto”: a alegria do vagabundo que tenta driblar a situação e o estado melancólico da sociedade brasileira.

No entanto, a luz do progresso chega ao fim, pois “caía a tarde feito viaduto”. Essa passagem alude a duas tragédias semelhantes:
Uma, que ocorreu no Rio de Janeiro, em janeiro de 1971, foi o desabamento, durante sua construção, sobre ônibus, pedestres e carros, de parte de uma imensa elevada que se estendia por quilômetros, o Viaduto Paulo Frontin.

Outra, em Belo Horizonte, em fevereiro de 1971, foi um pavilhão que, projetado por Oscar Niemeyer sob a ordem do governador de Minas Gerais, Israel Pinheiro, também desabou sobre os operários, durante a hora de folga, no meio-dia.

Esse conjunto de construções correspondia ao “milagre econômico” que a ditadura tentava apresentar à população brasileira, para recuperar as antigas euforias dos períodos populistas. Porém, seus equívocos e acidentes, como estes dois denunciados metaforicamente na música não eram divulgados pela mídia da época e as vítimas dificilmente eram indenizadas pelo governo responsável. Além disso, “caía a tarde” nos remete ao horário do dia quando as sessões de tortura do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) começavam.


A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

A lua apenas reflete a luz do sol. Esse é o tema da segunda estrofe, que faz menção aos reflexos do passado. Assim, segue a noite, referida na terceira, quarta e quinta estrofe, denunciando em linguagem figurada e elaborada as consequências da ditaduras: torturas, exílios, desaparecimentos e famílias dilaceradas. Ademais, a Lua não tem brilho próprio, mas como proprietária do prostíbulo, rouba-o das suas empregadas; um brilho falso, que pode representar os políticos que se “venderam” ao regime militar, em troca de benefícios pessoais, com os recursos “roubados” do país.


E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas

Que sufoco!
Louco! 


Anterior à caneta esferográfica, mata-borrão era um papel que absorvia a tinta em excesso das canetas-tinteiro para evitar erros. Saber disso permite compreender que havia determinados controles e atitudes punitivas para aqueles que “manchassem” a ordem presente na ditadura. Ressalta-se que os ditador pode ser ironizado como o “louco” apontado nesta estrofe da música. 



"Suicídio"  de  Vladimir, em 25 de outubro de 1975
Meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu num rabo de foguete

Chora a nossa pátria mãe gentil,

Choram Marias e Clarisses no solo do Brasil

Henfil, que rima com Brasil, é um apelido ou pseudônimo do cartunista e jornalista Henrique Filho que, exilado, era irmão de Herbert de Souza, o Betinho, sociólogo e ativista de direitos humanos, também perseguido e exilado, como tantos outros brasileiros.

Chora!
A nossa Pátria Mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil...


Clarice era esposa do jornalista Vladimir Herzog, que fazia parte do movimento de resistência contra o regime e teve um suicídio por enforcamento muito mal forjado em uma cela do DOI-CODI. Maria, por sua vez, era esposa do metalúrgico Manuel Fiel Filho, torturado até a morte sob a acusação de fazer parte do Partido Comunista Brasileiro, embora seu real crime tenha sido ler o jornal A Voz Operária. No plural, “Marias e Clarisses” são todas as mulheres, sejam mães, filhas ou esposas, que sofreram por alguém que fora torturado ou exilado. Além disso, destaca-se o tom de ironia ao rimar um refrão do Hino Nacional com Brasil, neste refrão, onde apresenta justamente um Estado que deveria nos proteger, mas que nos tortura.


Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança...



Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...

Há uma história brasileira do início do século XX, baseada na vida de Zequinha de Abreu, compositor de Tico-Tico no Fubá, um músico que se apaixona pela trapezista de um circo e compõe uma valsa homônima à moça chamada Branca. Assim, ele rompe seu noivado para seguir a caravana circense, mas se decepciona e volta à terra natal, onde vive seu casamento deprimido e começa a tocar em bailes de carnaval seu grande sucesso (Tico-tico no Fubá). Eis que um dia a vê entrando no salão com o marido e interrompe o chorinho que dá nome ao filme e começa a tocar Branca. Tocada pela emoção de ouvir sua música ela vai a seu encontro, mas Zequinha abandona o piano e sai desesperado pelos fundos do clube e acaba morrendo em seus braços num ataque cardíaco fulminante.



Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...


Protestos na década de 70 contra a Ditadura Militar

Os artistas, não conformados com a opressão, usariam assim a expressão artística, como uma arma disponível para defender a democratização, em meio ao comportamento da sociedade, que vivia na corda bamba, sempre por um triz a ser pega fora da linha estipulada pelos militares. Mas em meio a essa corda bamba de incertezas, todos prosseguem com sua lida cotidiana. E a esperança é o que faz eles prosseguirem com a luta para seguir adiante; afinal, “… o show tem que continuar…


Comentários

  1. tudo bem, gostaria de saber qual é a fonte dessa história a respeito do Zequinha de Abreu, desde já agradeço pelo artigo

    ResponderExcluir

Postar um comentário