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Crônicas do Cotidiano - Batalha perdida.



Chego ao laboratório por volta do horário do almoço. Fazia calor aquele dia. Minha primeira reação é a de espanto ao ver o local praticamente deserto.

- Homocentro novo!  Responde à prestativa atendente a me ver entrar.

 Converso com ela com toda naturalidade, digo que vim para fazer o exame de doação de medula óssea. Ela acena com a cabeça concordando, e solicita que eu aguarde, enquanto preenche minha ficha.

 - O senhor vai precisar ficar por 30 minutos em repouso.

- O que? Respondo dando mais atenção ao novo ambiente, do que a ela.

- O senhor vai precisar ficar em repouso.

- Tudo bem!  Digo... Já pensando em que parte do livro Perto do Coração Selvagem  da Clarice Lispector, eu pausei minha leitura.

- Mas que droga!  

- Algum problema senhor?

- Esqueci de trazer o livro. – respondo, revirando a mochila.

- Temos algumas revistas, se preferir. 

- Tudo bem... 

- O senhor pode se sentar. Fique à vontade.

Tão logo me sento na poltrona - ampla e confortável, a atendente pega o controle para ligar à TV.

-Pode deixar desligada…

Ela me olha incrédula.

-O senhor não vai querer assistir?

- Não! E me ajeito na poltrona, antes que ela saia.

Preparava-me para fechar os olhos, quando outra atendente entra.

- Boa tarde.

- Boa tarde. - Respondo educadamente.

Não sei como, mas, ela trazia o controle remoto em uma das mãos. Então, eu me antecipo.

- Por favor, não precisa ligar. 

- Nós temos tv à cabo. 

- Não obrigado.

- O senhor gosta de esportes?

- Gosto. Mas não pretendo assistir.

- Quem sabe um filme?

- Não precisa.

Outro olhar de espanto. Só que agora com ar de desaforo.

-Ah não?

- Não!

E ela deixa o recinto, como se fosse uma criança contrariada.

Passei a meia hora seguinte num ambiente agradável, ar condicionado na temperatura ideal e, como tive a sorte de ser o único na sala, pude cochilar sem o tormento da TV e das funcionárias do laboratório querendo ligá-la.

Mas não me iludo... Essa é uma batalha perdida!


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