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Crônicas do Cotidiano - Feliz Cumpleaños Elena


     Elena tinha cinco anos, quando seu pai foi preso, e sua mãe assassinada pela ditadura militar de Pinochet. Desde então, morava com seus avôs maternos, nas cercanias de Santiago. Estes, nem em pensamento gostavam de falar nos militares, pois temiam que um dia, sem qualquer motivo aparente, também levassem a neta.  


     Todos os anos, no inicio das aulas, seu avô procurava um novo colégio para a garota estudar. Esse era o preço que a família Garcia se sujeitou a pagar, para não ter que dedurar quem eram os supostos “amigos” que conviveram com a filha.  No bairro, somente os moradores mais antigos conheciam os porões daquela casa.

     Embora precisasse estar sempre trocando de colégio, Elena era uma excelente aluna. Os educadores diziam que ela tinha gosto pelos estudos. Na casa dos avôs, Elena tinha o seu quarto, os seus brinquedos, e, principalmente, os livros com histórias de príncipes, princesas e dragões.  

    Com nove anos bem vividos, cansou-se das histórias encantadas, e passou a questionar os avôs sobre sua própria história: quem eram seus pais? o que faziam... etc.  O casal de idosos, surpreso com o inventário, resolveu contar meias-verdades: sobre a mãe, disseram que ela era professora de literatura Inglesa, e um dia, de tanto abrir a boca em outro idioma, acabou falecendo.( tiveram que omitir os dois tiros no peito por questões obvias.)  o pai, um renomado jornalista chileno, tinha viajado a muito para a França, onde escrevia relatos da vida selvagem. ( por certo continuava preso e incomunicável, o que na concepção dos avôs, era quase uma vida animal ).

     Os anos passaram, e com eles os ventos bravos que sopravam da capital. O casal, agora, vivia tranquilamente com a neta, sem os constantes bilhetes e telefonemas (sempre anônimos) que recebiam com ameaças de morte. Tudo parecia ir bem na casa dos García. Até resolverem organizar uma festa para comemorar os doze anos da neta.

 Nesse dia, assim que chegou do colégio, Elena entregou um pedaço de papel para o avô.

- O que é isso, Elena?
- O número do telefone dele.
­­ - Telefone de quem?
- Do meu pai...
­ - Mas sua avó já não lhe disse que o Roberto está na Europa?
- Não está mais...ele ligou hoje, e deixou esse número.
- Ahã?
- Vocês vão chamar meu pai para o meu aniversário, né, vô ? Hein, hein, hein?


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